segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O INTÉRPRETE DE LIBRAS E A INCLUSÃO SOCIAL DO SURDO

Lilian Vânia de Abreu Silva Olah 
Naiane Caroline Silva Olah


Atualmente vivemos no Brasil um momento especial na história dos Surdos e dos intérpretes de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais): a Lei nº 12.319 de 01 de Setembro de 2010, regulamenta o exercício da profissão do Tradutor Intérprete de Língua de Sinais e, em linhas gerais, prevê a formação necessária do profissional, bem como a competência para traduzir da LIBRAS para o Português e do Português para LIBRAS. É possível ver esse momento como resultado do reconhecimento da Língua de Sinais e sua importância ao proporcionar ao Surdo as condições necessárias para que ele consiga praticar sua cidadania. 

Mesmo sem intérpretes nas mais diversas áreas, um número restrito de Surdos conseguiu alcançar uma profissão. Segundo o IBGE o número de surdos no Brasil está na faixa de 5.750.809 e apenas 3% desse número concluiu a educação básica. Apesar de ainda ser deficiente a qualidade e o acesso dos surdos à Educação no Brasil, a presença cada vez mais necessária do intérprete tem sido de inteira importância, para que bons resultados sejam alcançados. 

Devido a grandes esforços e a atuação, ainda que irrisória, do intérprete na área da Educação, existem Surdos gastrônomos, pedagogos, cientistas da computação, arquitetos, desenhistas, administradores, atores, pastores, massagistas, candidatos a cargos políticos, dançarinos; etc., porém, com a participação e atuação do intérprete, acreditamos que haverá muito mais acessibilidade nas escolas e na formação de profissionais surdos em várias áreas, possibilitando assim, aumento na freqüência a locais de lazer, cultura e convívio social. Desse modo, será indispensável a atuação do intérprete nas salas de teatro, shows, livrarias, museus, saraus de poesia, exposição de arte, apresentação de corais e orquestra.

Apesar disso, ter ocorrido somente ainda maior cidade do país e faltarem esforços que levem a esta deserção, uma iniciativa que merece destaque foi comemoração dos setenta anos do Coral Lírico Municipal de São Paulo, em 2009, juntamente com a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência do
maestro Mario Zaccaro. 


Nesta ocasião, foram realizadas quatro apresentações das quais duas foram totalmente interpretadas para LIBRAS pelas intérpretes Lilian e Naiane Olah. A resposta dos surdos não poderia ter sido melhor. 

Alguns foram ao primeiro dia de apresentação e voltaram para a segunda apresentação trazendo outros surdos. Abaixo, serão traduzidos e analisados alguns dos depoimentos. “Como eu escuto mais ou menos, eu ouvir, sentir a musica e vendo as faces das pessoas que fizeram as expressões e achei lindos. Surdo consegue sentir pela vibração da musica e tradução próprio de libras da musica e poesia, os surdos se emocionam.” (surda Cintia Rosa tarifa -IBVG). 

Conforme colocado por Cintia, uma jovem surda que é integrante de um grupo de dança em São Caetano do Sul, ela ouve um pouco e pelas vibrações consegue acompanhar alguns sons. Ainda assim, sem tradução da letra das músicas muitas coisas ficariam sem sentido. “Pela primeira vez fui assistir a um espetáculo de música, o Coral Lírico do Teatro Municipal que contou com a atuação de duas intérpretes (Lilian e Naiane). 

Quando a música do coral começou, adorei ver as duas intérpretes, mas eu não consegui sentir a vibração da música. Eu estou acostumado a sentir a vibração do samba, mas o coral é diferente, o som é baixinho. Embora eu não gostasse de usar aparelhos auditivos, resolvi emprestar um aparelho do meu amigo Leonardo Ulmann e comecei a escutar a música do coral. Fiquei muito emocionado pois era suave e calmo. Gostei demais e agora voltei a usar aparelhos auditivos (rsrsrs).Desejo os parabéns aos músicos, às duas intérpretes (Lilian e Naiane) e aos diretores e organizadores desta apresentação cultural no Teatro Municipal que foi um grande sucesso !!!”(Paulo Vieira – Surdo). 

De acordo com Paulo Vieira, que é presidente da Associação de surdos de São Paulo e trabalha também na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo, para o surdo o intérprete deve fazer parte do conjunto, sendo mais um elemento da situação em que está inserido. Como podemos ver, Paulo Vieira sentiu a necessidade de acompanhar a tradução ao mesmo tempo da vibração da música. E mais uma vez a presença do intérprete permitiu que algumas lacunas do espetáculo fosse preenchidas para ele, indivíduo surdo. “Eu nunca tinha ido a um teatro, pois sempre pensei que seria algo que não entenderia, algo destinado aos ouvintes. 

Ao ser convidada para o Coral Lírico realizado no Teatro Municipal, com intérpretes de LIBRAS, Lilian e Naiane, resolvi ir, mas sem achar que poderia me impressionar.Começando a peça, realmente me senti emocionada, as intérpretes fizeram um excelente trabalho acompanhando o coral e os efeitos das luzes, como o anoitecer, o vento, me fizeram sentir mais próxima do espetáculo. Consegui, também, acompanhar o coral com as vibrações.Todos esses pontos fizeram com que eu pudesse sentir emocionada com o coral, as intérpretes conseguiram fazer com que eu entendesse a peça, foi uma experiência incrível, gostaria de poder assistir outras peças com intérpretes.“Parabéns a todos que
organizaram este evento, ficou nota 10.” (Laila Sankari de Camargo Rosa – surda)
Como não se alegrar com tal reconhecimento? Ainda assim, alguns, infelizmente, não compreendem o papel do intérprete ou a acessibilidade que promovem aos surdos.  

Muitas vezes os intérpretes são vistos como “pessoas iluminadas” fazendo uma obra de caridade para os “coitados dos surdos”, ou mesmo pessoas esquisitas que querem chamar a atenção balançando tanto os braços e com tantas caretas. “Já que querem fazer tal coisa, então é melhor que fiquem lá na galeria ou no cantinho sentados para não atrapalharem. O melhor mesmo seria que ficassem lá atrás nos fundos para não distrair as pessoas”.

Certa vez foi atribuído a um grupo de TILS (Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais) a seguinte afirmação: “Essas pessoas parecem macacos de tanto que gesticulam” Raramente o intérprete é lembrado quando as luzes se apagam quando o show vai começar. Pausa para descanso para quê? É melhor ir direto para ganhar tempo e assim a palestra, aula ou reunião pode terminar mais cedo. 

Pode-se relatar ainda outras atitudes distraídas e desinformadas sem que haja a percepção de que o intérprete está ali há um bom tempo. Ao descrever algumas situações como as citadas acima, parece que tudo foi ruim. Mas não foi. Trata-se de um caminho de aprendizado e estabelecimento da profissão de intérprete, em que hoje se percebe passos largos, ganhos e recompensas. Passos esses que estabelecem bases, informações e padronizações para a prática da tradução interpretação. 

Olhar para a história da LSB (Língua de Sinais Brasileira) é também olhar para a história do intérprete que acompanhou o surgimento e o desenvolvimento dessa língua. Fazer parte dessa história é emocionante, principalmente pelo fato de começar, no ano de 1993, a aprender LIBRAS para simplesmente dizer „oi‟ ao surdo e nunca mais conseguir dizer „tchau‟ porque o surdo e sua língua são encantadores. 

Há duas décadas, aprendia-se LIBRAS onde era possível: igrejas, oficinas, congressos, intercâmbios, FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo), textos e livros traduzidos e sem haver literatura especializada para tal, até que começaram as primeiras publicações brasileiras destacando-se a pesquisadora Doutora Lucinda Ferreira Brito, cujo trabalho cooperou para o reconhecimento não só da LIBRAS como também da Língua de Sinais dos Urubu-Kaapor (LSKB), uma tribo indígena do estado do Maranhão. 

Mais tarde, surgiram outras publicações que permearam a capacitação dos usuários e intérpretes da LIBRAS. Esses trabalhos foram documentados da mesma maneira que na geração anterior: com comprometimento, cumplicidade, pioneirismo, militância, dedicação e amor às causas relacionadas aos surdos. A legalização da profissão do intérprete traz consigo além dos direitos e deveres desses profissionais, o reconhecimento e a formação necessária (cursos de graduação e capacitação), proporcionando assim o acesso dos surdos à informação e uma participação efetiva na sociedade, bem como um atendimento digno em todos os estabelecimentos públicos, o que é direito de todos os cidadãos brasileiros. Com o objetivo de atribuir experiências de práticas e vivências durante o processo de aprendizagem da LIBRAS e também do trabalho enquanto TILS (Tradutor Intérprete de Língua de Sinais), as autoras desse artigo inserem alguns relatos e concepções pessoais a fim de enriquecer a história com a prática. “Como já citado durante o artigo, todas as dificuldades em se aprender a LIBRAS e também acreditando que essa língua é rica, bela, e muito importante para a comunicação com os surdos, resolvi começar a praticar com minhas queridas filhas Naiane, que na época tinha três anos de idade e Lidiane, com um ano de idade. 

Como eu não tinha contato com surdos durante a semana, e precisava treinar, então passei a ensinar e conversar com elas através da língua de sinais. Em pouco tempo, elas já estavam sinalizando e nos finais de semana em nossa comunidade convivíamos com surdos. Aos sete anos, minha filha mais velha já interpretava a pedidos dos surdos quando iam a uma lanchonete ou farmácia, e ali eles brincavam e havia um carinho enorme e nossa amizade se fortalecia cada dia mais. Hoje, minhas filhas são usuárias da Libras. Naiane, optou por me acompanhar em alguns cursos e por volta dos catorze anos decidiu ser preparada para ser intérprete. 

A emoção foi enorme juntamente com a responsabilidade, mas, quem diria que de uma simples iniciativa de aprender a LSB juntamente com a prática de amar a Deus e ao próximo proporcionariam a vivência do processo de inclusão natural sem nenhuma obrigação. Hoje, Naiane aos 20 anos de idade já é intérprete certificada pelo PROLIBRAS e cursa o 3º ano da primeira turma LETRAS LIBRAS – EAD (Ensino a Distância ) pela UFSC; atua na área educacional, e em eventos culturais.” (Lilian Olah – TILS e Instrutora de Libras)

Para oferecer uma visão de uma intérprete dessa nova geração, a também autora desse artigo, Naiane Olah especifica sua opinião a respeito da importância desse momento para o profissional intérprete: 

“Escrever esse artigo como intérprete profissional reconhecida no Brasil é muito mais relevante e inspirativo. Apesar do contato natural com a língua de sinais se levava um bom tempo para entender que há profissionalismo dentro de uma atividade exercida há tanto tempo. O reconhecimento profissional do intérprete por meio da lei nº 12.319 de 01 de Setembro de 2010 baseia-se no trabalho daqueles que acreditam no direito do surdo de ter acesso ao que o ouvinte tem e, além disso, baseia-se no fato de que o intérprete não é um indivíduo que gesticula ao vento para ajudar o „pobre‟ do surdo, e sim um tradutor que possui habilidades e competências.Muitas vezes por falta de informação identifica-se o TILS como apenas um sujeito bilíngue que pode atuar em qualquer situação, porém, esse momento tão importante historicamente nos leva a refletir e nos impulsiona para a conscientização do que é ser intérprete. Segundo Francis Aubert, autor do livro “As (In) Fidelidades do Tradutor”, o ato tradutório exige algumas competências que podem ser desenvolvidas.  

Vale deixar claro que a competência tradutória diferencia o bilíngue do tradutor. E por que não atribuir as competências necessárias ao tradutor de línguas orais também ao TILS Atualmente destaca-se a atuação do intérprete no âmbito cultural, educacional e científico e em muitas outras áreas de atuação como a saúde, sistema jurídico etc. E me permito imaginar o futuro dessa profissão no Brasil em que os tradutores intérpretes atuem de acordo com sua competência referencial (capacidade de se familiarizar com determinado assunto¹) e de acordo com a área especializada por seus estudos. Após o trabalho no Teatro Municipal de São Paulo, iniciei uma nova experiência de tradução juntamente com a TILS Lívia B. Vilas Boas e os resultados desse projeto, que está no início, tem dado certo e estão publicados no site de armazenamento de vídeos mais conhecido do mundo. Essas novas experiências possibilitam a transcendência do trabalho de tradução da língua de sinais. Esse novo trabalho iniciou-se com a tradução da música “Carinhoso” de Pixinguinha, gravada e publicada na web; e tende a estender-se ainda mais com novas concepções, reflexões e práticas de interpretação na certeza de que quando a língua de sinais é levada a sério, maravilhosos trabalhos podem surgir a partir desse simples ato de respeito.” (Naiane Olah – TILS) 

Mais uma vez, é possível ver esse momento com muito otimismo e expectativa. E pensar que a Libras já é legalizada, e que já são instituídos os direitos dos surdos (apesar de estar tudo no começo) e agora também legalizada a profissão do intérprete, temos uma nova geração abraçando e acreditando nesse legado. Não resta outra alternativa a não ser continuar e acreditar.

Publicado: Revista Pandora Brasil Nº 24 – Novembro de 2010
“Inclusão em Educação: Caminhos, Políticas e Práticas”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AUBERT, Francis Henrik. As (in)fidelidades da tradução: servidões e autonomia do tradutor. Campinas: Unicamp, 1994.
VASCONCELLOS, Maria Lucia e BARTHOLAMEI JR, Lautenai Antonio; Estudos da Tradução I / Unidade 2 – Florianópolis 2008
QUADROS, Ronice Muller de, O tradutor intérprete de língua brasileira de sinais e
língua portuguesa – Brasília 2004

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Música e o Surdo

Será que é possível pensarmos na realidade deste tema: “A música e o surdo”?
No mínimo, para nós ouvintes, é instigante pensarmos em tal coisa. Porém, por incrível que pareça é possível.
Convivo com surdos há mais ou menos 16 anos e sempre trabalhando com música seja interpretando para LIBRAS ou trabalhando com grupos de surdos para dançar fazendo coreografias ou em reuniões de confraternização em fim de cursos, sempre cantamos em LIBRAS e dançamos.
Também em alguns congressos nos quais termino de interpretar, sempre recebo manifestações e partilhas de surdos expressando grande emoção em poder sentir e ver música e sua poesia – alguns chorando me agradecem por poderem sentir a música pela primeira vez.
Creio que Deus me presenteou com esse talento. Quando comecei a aprender LIBRAS e depois decidi estudar para ser interprete um dos objetivos que me motivou é o de ser instrumento para que o surdo tenha acesso a tudo o que lhe é de direito, como nós ouvintes.
A música é universal. Na maioria das vezes não é preciso explicar; apenas sentir. E como essa fantástica arte pode chegar até o surdo?
Para que se entenda de maneira clara ainda reconhecendo que é surpreendente e fantástico o modo como o ser humano desenvolve suas habilidades de forma espetacular para que assim possa desfrutar as coisas belas da vida e celebrar os sentimentos mais profundos que possa sentir; e ainda mais: expressa-los através da musica.
O trecho abaixo extraído do livro ‘O Vôo da Gaivota’ descreve o modo singular que uma surda francesa, Emmanuelle Laborit, consegue explicar as interpretações de sons e música. Ela nos permite uma boa compreensão desse fenômeno.
“O silencio tem pois um sentido exclusivamente meu, o de ser a ausência de comunicação. Em outras palavras nunca vivi no silencio completo. Tinha meus barulhos pessoais, inexplicáveis para quem escuta. Tenho minha imaginação , e ela tem sons em cores. Meu silencio tem, para mim, cores, nunca é preto e branco.
Os barulhos dos que escutam são também imagens para mim, sensações. A onda que rola sobre a praia, calma e doce, é uma sensação de serenidade, de tranqüilidade. Aquela que se eriça e se precipita com as costas lançadas para o alto é a cólera. (...) Há sempre uma ligação entre cores e os sons que imagino. Não posso dizer se som que imagino é azul ou verde ou vermelho, mas as cores e a luz são suportes para imaginar o barulho, para a percepção de cada situação (...).
Quando meu pai soube que eu era surda, imediatamente perguntou como eu faria para escutar musica. Levando-me aos concertos, quando ainda era pequena, queria me transmitir sua paixão; ou então ‘recusava’ que fosse surda. De minha parte, achava isso ótimo. É ótimo que ele não tenha colocado obstáculos entre mim e a musica. Creio que percebo profundamente a musica; não com o ouvido: com meu corpo. Meu pai sempre teve a esperança de me ver acordar de um longo sono.  Como a Bela Adormecida. Estava convencido de que a musica iria operar essa mágica. Já que eu vibrava com a música, e que ele era louco pela música, a clássica, o jazz, os Beatles, levava-me aos concertos, e cresci acreditando que podia partilhar tudo aquilo com eles.
Uma tarde, meu tio Fifou, que era musico, tocava violão. Vejo-o, a imagem é nítida em minha cabeça. A família inteira escutava. Ele queria dividir o violão comigo. Pede que morda o braço do instrumento. Mordo-o, e ele se põe a tocar. Fico por muito tempo segurando. Sinto todas as vibrações no meu corpo, as notas agudas e as notas graves. A música entra no meu corpo, instala-se, começa a brincar com meu interior. Mamãe olha completamente maravilhada. Tenta fazer a mesma coisa, mas não consegue. Diz que aquilo ressoa na cabeça.
Há ainda a marca dos meus dentes no violão do meu tio.
Tive a sorte, na minha infância, de ter contato com a música. E certos pais de crianças surdas dizem que não vale à pena, e privam seus filhos da musica. De minha parte, adoro-a. Sinto as vibrações. O espetáculo de um concerto me influencia também. Os efeitos de iluminação, o ambiente, as pessoas na sala são também vibrações. Sinto que estamos todos juntos para a mesma coisa. O saxofone que brilha com clarões dourados é formidável. Os trompetistas que inflam as bochechas. Os violoncelistas. Sinto-os com os pés, com todo o corpo se estiver estirada no solo. E imagino o som, sempre o imaginei. É através do meu corpo que percebo a música. Os pés nus sobre o chão, presos às vibrações, é assim que a vejo, em cores. O piano tem cores, a guitarra elétrica, os tambores africanos. A bateria. Vibro com eles. Mas o violão levanta vôo, deve ser agudo como um pássaro, como um canto de pássaro, é inapreensível,é uma coisa das alturas, em direção ao céu, não em direção à terra. Os sons do espaço devem ser agudos, os sons da terra devem ser graves. E a música é um arco-íris de cores vibrantes. Amo profundamente a música africana. O tantã é uma música que vem da terra. Sinto-a com os pés, com a cabeça, com o corpo inteiro. Da música clássica, não gosto. É muito nas alturas. Não posso alcançá-la.
A música é uma linguagem além das palavras, universal. É a arte mais bela que há, consegue fazer vibrar fisicamente o corpo humano. É difícil reconhecer a diferença entre a guitarra e o violão. Se tivesse vindo de outro planeta e encontrasse homens que falassem de uma maneira diferente, estou certa de que conseguiria compreende-los percebendo seus sentimentos. Mas o campo da música é muito vasto, imenso. Muitas vezes, me perdi nele. Isso acontece no interior do corpo. As notas se põem a dançar. Como o fogo de uma lamparina. O fogo com seu ritmo, forte, fraco, mais rápido, mais lento... Vibração, emoção, cores em ritmo mágico.
As vozes dos cantores são, entretanto, um mistério. Uma só vez o mistério se desfez. Não sei quando, nem com que idade. É como se fosse no presente. Vejo a Callas na televisão. Meu pai a assistem está sentada com eles diante da tela. Vejo uma mulher forte, que parece ter um caráter forte. De repente, uma imagem em primeiro plano, e sinto realmente a sua voz. Olhando-a com intensidade, percebo a voz que deve ter. Imagino uma canção na alegre, mas vejo bem que a voz vem do fundo, de longe, que aquela mulher canta com seu ventre, com suas entranhas. Isso me causa um efeito terrível. Escutei realmente a sua voz? Não sei dizer. Mas senti realmente uma emoção foi a única vez em que se passou uma coisa desse tipo. Maria Callas me tocou. Foi a única vez em minha vida que senti, imaginei, uma voz cantando.
Os outros cantores não me causam nada de especial. Quando os vejo, nos clipes da televisão, sinto muita violência, muitas imagens que se sucedem, não entendo nada. Não chego mesmo a imaginar que a música possa fazer de tal maneira aquilo tudo vai rápido. Mas há certos cantores como Carole Laure, Jacques Brel, Jean-Jacques Goldman, cujas letras me emocionam.
E Michael Jackson! Quando o vejo dançar, é um corpo elétrico, o ritmo da música é elétrico, associo-o a uma imagem elétrica, sinto-o elétrico.
A dança está no corpo. Adolescente, adorava ir a boates com meus amigos surdos. É o único lugar onde se pode entrar a fundo na música sem se preocupar com outros. Dançava durante a noite toda, o corpo era levado até seus limites, vibrando com o ritmo. Os outros, s ouvintes, olhavam-me espantados. “Deviam pensar que estava louca.”

No mês de Junho passado recebi um convite para traduzir uma música (Climb Every Mountain) para LIBRAS.
O convite veio de Eloísa Baldin cantora lírica e responsável pelo evento em comemoração aos 70 anos do Coro Lírico Municipal de São Paulo.
Em resumo, o que era pra ser apenas uma música para o Coro Lírico finalizar o 1º ato estendeu-se o convite para que eu e minha filha, Naiane Olah, interpretássemos o espetáculo inteiro.
Com muita emoção, lembrei do meu objetivo em ser intérprete e aceitei o convite.
Foi um grande desafio, mas ao pensar que tal feito seria um fato histórico e pensar na possibilidade que um local que até então usado para contemplar a voz e o ouvido humano a LIBRAS estaria no mesmo nível e que muitos surdos pela 1ª vez poderiam entrar no teatro municipal de São Paulo e admirar música popular brasileira, americana, e lírica com trechos de óperas tão famosas como: Otello, Macbeth, Turandot, e ainda a apresentação de músicas orquestradas pela orquestra sinfônica municipal de SP com arranjos e regência do Maestro Mario Zaccaro. Foi um desafio e tanto.
Mas para nossa alegria e realização a terminar o espetáculo, o teatro inteiro estava de pé aplaudindo; os ouvintes extremamente emocionados e comovidos em ver a arte musical vista na cultura ouvinte e para maioria dos surdos presentes sentida pela primeira vez não só pela vibração, mas com poesia, com luz, com tradução e interpretação para LIBRAS.
Que tal saber deles o que sentiram? Segue alguns depoimentos que recebi de alguns surdos: (os depoimentos foram transcritos na íntegra respeitando a forma como o surdo escreve a língua portuguesa sendo essa sua segunda língua)

“Como eu escuto mais ou menos, eu ouvir, sentir a música e vendo as faces das pessoas que fizeram as expressões e achei lindos. Surdo consegue sentir pela vibração da música e tradução próprio de libras da música e poesia, os surdos se emocionam.” (surda Cintia Rosa Tarifa -)

“Pela primeira vez fui assistir a um espetáculo de música, o Coral Lírico do Teatro Municipal que contou com a atuação de duas intérpretes (Lilian e Naiane).
Quando a música do coral começou, adorei ver as duas intérpretes, mas eu não consegui sentir a vibração da música. Eu estou acostumado a sentir a vibração do samba, mas o coral é diferente, o som é baixinho. Embora eu não gostasse de usar aparelhos auditivos, resolvi emprestar um aparelho do meu amigo Leonardo Ulmann e comecei a escutar a música do coral. Fiquei muito emocionado, pois era suave e calmo. Gostei demais e agora voltei a usar aparelhos auditivos (rsrsrs).
Desejo os parabéns aos músicos, às duas intérpretes (Lilian e Naiane) e aos diretores e organizadores desta apresentação cultural no Teatro Municipal que foi um grande sucesso!!!”
Paullo Vieira – Surdo
Assistente Técnico
Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo



“Eu nunca tinha ido em um teatro, pois sempre pensei que seria algo que não entenderia, algo destinado aos ouvintes.
Ao ser convidada para o Coral Lírico realizado no Teatro Municipal, com interpretes de LIBRAS, Lilian e Naiane, resolvi ir, mas sem achar que poderia me impressionar.
Começando a peça, realmente me senti emocionada, as intérpretes fizeram um excelente trabalho acompanhando o coral e os efeitos das luzes, como o anoitecer, o vento, me fizeram sentir mais próxima do espetáculo. Consegui, também, acompanhar o coral com as vibrações
Todos esses pontos fizeram com que eu pudesse sentir emocionada com o coral, as intérpretes conseguiram fazer com que eu entendesse a peça, foi uma experiência incrível, gostaria de poder assistir outras peças com intérpretes
Parabéns a todos que organizaram este evento, ficou nota 10.” (Laila Sankari de Camargo Rosa – surda)

Ainda há muito que aprender e conhecer na área da surdez.
Sei que já existe um método para ensinar música que se utiliza de sinais da Língua de Sinais.
Tenho um amigo que se chama Carlos; ele é surdo e está praticamente cego. E apesar disso, é dançarino num grupo de surdos de hip hop, tem curso de panificação e está se formando em massoterapia.
Creio que não devemos ficar pensando apenas nas limitações e sim no que é possível realizar.
A auto-superação é para todos. na possibilidader que tal feito seria um fato histnti realmente uma emoç que a voz vem do fundo, de longe, que aquela mulher canta com seu ventre, azer a mesma coisa maravilhada. tenta brinar com meu ido que podia partilhar tudo aquilo com eles.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Quem é o surdo?

"O Surdo não é mudo, não é deficiente, não é alienado mental e também não é uma cópia mal feita do ouvinte. Ele é Surdo, humano, autor e ator de inúmeros personagens...".


Maria Cecília de Moura / fonte: APAS - Jaboticabal -SP

Quem é o surdo?

As Diferenças Humanas
Depoimento citado por Perlmutter (1986, apud Padden & Humphies, op.cit.), descrito por Sam Supalla, surdo.

Sam nasceu numa família surda com muitos irmãos surdos mais velhos que ele e, por isso, demorou a sentir a falta de amigos. Quando seu interesse saiu do mundo familiar, notou, no apartamento ao lado do seu, uma garotinha cuja idade era mais ou menos a sua. Após algumas tentativas, se tornaram amigos. Ela era legal, mas era esquisita: ele não conseguia conversar com ela como conversava com seus pais e irmãos mais velhos. Ela tinha dificuldade de entender gestos elementares! Depois de tentativas frustradas de se comunicar, ele começou a apontar para o que queria ou, simplesmente, arrastava a amiga para onde ele queria ir. Ele imaginava como deveria ser ruim para a amiga não conseguir se comunicar, mas, uma vez que eles desenvolveram uma forma de interagir, ele estava contente em se acomodar às necessidades peculiares da amiga. Um dia, a mãe da menina aproximou-se e moveu seus lábios e, como mágica, a menina pegou a sua casa de boneca e moveu-a para outro lugar. Sam ficou admirado e foi para sua casa perguntar à sua mãe sobre, exatamente, qual era o tipo de problema da vizinha. Sua mãe lhe explicou que a amiga dele, bem como a mãe dela, eram ouvintes e por isso não sabiam sinais. Elas falavam e moviam seus lábios para se comunicar com os outros. Sam perguntou se somente a amiga e a sua mãe eram assim e sua mãe lhe explicou que era sua família que era incomum e não a da amiga. A outras pessoas eram como sua amiga e a mãe. Sam não possuía a sensação de perda. Imerso no mundo de sua família, eram os vizinhos que tinham uma perda, uma desabilidade de comunicação.

Quebrar o paradigma da deficiência é enxergar as restrições de ambos: surdos e ouvintes. Por exemplo, enquanto um surdo não conversa no escuro, o ouvinte não conversa debaixo d’água; em local barulhento, o ouvinte não consegue se comunicar a menos que grite e, nesse caso, o surdo se comunica sem problemas. Além disso, o ouvinte não consegue comer e falar ao mesmo tempo, educadamente e sem engasgar, enquanto o surdo não sofre essa restrição.

Nelson Pimenta (2001:24), ator surdo brasiliense, declara que a surdez deve ser reconhecida como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da diversidade humana, pois ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte, é apenas diferente. Se considerarmos que os surdos não são ouvintes com defeito, mas pessoas diferentes, estaremos aptos a entender que a diferença fisica entre pessoas surdas e pessoas ouvintes gera uma visão não limitada, não determinística de uma pessoa ou de outra, mas uma visão diferente de mundo, um ‘jeito ouvinte de ser’ e um ‘jeito surdo de ser’, que nos permite falar em uma cultura da visão e a outra da audição.

Skliar (1998:28) declara que caracterizar a cultura surda como multicultural é o primeiro passo para admitir que a comunidade surda partilha com a comunidade ouvinte do espaço físico e geográfico, da alimentação e do vestuário, entre outros hábitos e costumes, mas que sutenta em seu cerne aspectos peculiares, além de tecnologias particulares desconhecidas ou ausentes do mundo ouvinte cotidiano.

A patir das citações e informações sobre a identidade e cultura surda acima, apresentam-se algumas dicas e maneiras eficazes de como se comunicar corretamente com o surdo, e compreender sua cultura:
Ø  Fale de frente, claramente e pausadamente com o surdo. Uma boa articulação dos lábios pode facilitar a comunicação. Lembrando que a atividade da leitura labial é muito cansativa e requer muita habilidade e conhecimento do contexto da conversa, da pronúncia de outras pessoas, iluminação, distância, e que há palavras com a mesma articulação (exemplo: mala, bala, tala).
Ø  Não olhe para o outro lado ao conversar. O contato visual é importante. Quando se fala com um surdo e não se olha para ele, fica parecendo que a mensagem não é para ele.
ü  Obs: o olhar fixo e prolongado do surdo, durante a conversa, pode incomodar o ouvinte.
Ø  Não é preciso gritar. Use o labial com tom de voz normal ou, de preferência, sem som nenhum.

             Foto: Claudia Hayakawa

Ø  O surdo não pode perceber mudanças de tons ou de emoções através da voz. É preciso ser expressivo para demonstrar seus sentimentos.
ü  Obs: As pessoas ouvintes utilizam determinados gestos quando estão nervosas. A língua de sinais, que se baseia em gestos, poderá deixá-los com uma sensação desagradável porque alguns sinais serão entendidos por eles como feios, mesmo que na realidade, estejam expressando outra coisa.

Ø  Se você não entender o que uma pessoa surda está falando, não tenha vergonha e não perca a paciência. Peça para repetir e, se for preciso, escrever. O mais importante é que exista a comunicação. Grande parte dos surdos não é infeliz por serem surdos, ou melhor, por não ouvirem. Eles ficam infelizes ou irritados quando passam por situações nas quais se sentem expostos e dependentes.
ü  Exemplo: o surdo fica numa posição humilhante principalmente quando o ouvinte demonstra a má vontade para ajudar.

Ø  Se precisar falar com uma pessoa surda chame a atenção dela tocando em seu ombro ou braço (de preferência no ombro). O surdo não tem nenhum problema em se tocar, mesmo quando se encontram pela primeira vez. O toque é uma das maneiras de chamar a atenção da pessoa surda. O toque deve ser leve, e jamais tocar na cabeça ou nas costas. Isto seria extremamente inconveniente. Para os ouvintes, isso causa embaraço, pois estão acostumados com o contato sonoro.



   Foto: Claudia Hayakawa

Ø  Os surdos têm uma excelente percepção visual e percebem qualquer movimento ao redor deles. Isso pode ser aproveitado para se fazer um contato com eles. Os ouvintes que desconhecem a cultura surda, geralmente não entendem o sentido dos acenos e não reagem a eles.
Ø  Como todo cidadão, o surdo tem direito à informação. A ausência de legendas nos noticiários e em outros programas de TV impede o conhecimento dos fatos.
Ø  Os avisos visuais são sempre muito úteis para a independência do surdo. A comunicação fica ainda melhor se forem com ilustrações. Na falta deles, o surdo terá maiores dificuldades.
Ø  A iluminação, devido à comunicação essencialmente visual, é de extrema importância. Para o surdo, a ausência de luz representa a ausência de comunicação. O recurso da iluminação é usado para o surdo de várias formas.
ü  Exemplo: quando se toca a campainha da casa, acende-se um tipo, ou uma cor de lâmpada. Se o surdo não está ao alcance da sinalização luminosa, é possível que não abra a porta mesmo estando em casa. Por isso, não desista. Aperte várias vezes a campainha. Quando o bebê chora no berço, um sensor faz com que uma lâmpada de cor diferente da campainha acenda, identificando que o bebê precisa de algo.




    Foto: Claudia Hayakawa

Conhecendo melhor o surdo

Para o surdo, o contato com o mundo externo se dá através da visão. Por isso, a maioria dos surdos ao entrar em um ambiente, observa tudo e todos que estão no ambiente e olham ao redor com uma freqüência bem maior e com mais atenção do que os ouvintes. E a tendência de ficar com as costas viradas para a parede, numa posição defensiva; e se possível, num canto em que se posicione de frente para a porta para poder, com a visão, acompanharem todo e qualquer movimento. Se isso não for possível, olham freqüentemente para trás. O ouvinte não conhecendo essa característica, poderá interpretar equivocadamente essa postura. Também poderá causar incômodo para o ouvinte que desconhece a cultura surda, o olhar fixo e contínuo do surdo durante uma conversa, ou tentativa de comunicação, a fim de tentar entender o que o ouvinte está dizendo.

O surdo, no geral, tende a ser bem-humorado (é importante ressaltar que, como qualquer ser humano, o surdo possui alterações de humor e personalidade); gostam muito de piadas,  principalmente as que fazem referência à incompreensão da surdez pelo ouvinte. Podem descrever situações ou imitar pessoas com uma riqueza de detalhes e expressões impressionante, de maneira que se tornam excelentes atores enquanto simplesmente conversam. Para o ouvinte, tal prática requer muito treino e conhecimentos técnicos.
Quando os surdos estão participando de alguma atividade com um grupo de ouvintes e não há nenhum intérprete para auxiliá-lo, a tendência é copiar o comportamento dos ouvintes (se o ouvinte ri, o surdo ri), mesmo sem entender o que está acontecendo pelo medo de se sentirem socialmente excluídos.

  Foto: Claudia Hayakawa

Devido à falta da audição, o surdo tem dificuldades em receber informações no tempo e na forma adequada para o desenvolvimento afetivo, social e intelectual de forma saudável e satisfatória. Com isso, seu comportamento algumas vezes pode não condizer com os padrões estabelecidos pela sociedade e sua percepção do mundo pode ser equivocada.
Exemplo: Relato da mãe de um surdo que estava comemorando seu aniversário de quinze anos com alguns amigos em casa. Em um determinado momento alguns de seus amigos precisavam ir embora. O garoto os acompanhou até o ponto do ônibus. Chegando próximo ao ponto, eles viram uma viatura da polícia e saíram correndo. Os policiais percebendo a atitude dos jovens ligaram a sirene e saíram em perseguição, mas como a casa ficava próxima eles entram na casa e se esconderam. Os policiais tocaram a campainha e a mãe assustada sai e pergunta o que estava acontecendo. Os policiais relatam o acontecido e pedem para trazer os jovens para fora, caso contrário eles entrariam na casa. A mãe pede para esperarem um minuto, explica que os garotos são surdos e que chamaria os garotos para conversar. Quando a mãe traz os garotos para fora pergunta: - Por que vocês correram? Eles responderam que na televisão todas as vezes que as pessoas viam policiais saíam correndo então eles pensaram que tinham que correr também. A mãe que sabia Libras pôde traduzir para os policiais e explicar o contexto, que eles assistiam a filmes, e entenderam que deveriam agir da mesma forma que viram na televisão.

O conceito que o surdo tem de si mesmo é o que as pessoas (familiares, amigos, professores, médicos, intérpretes, etc...) dizem que ele é.
A família diz que ele é defeituoso, por isso o rejeita, a escola diz que ele é deficiente, a medicina, que ele é incompleto. E então o surdo não se aceita porque os outros não o aceitam. No geral, os surdos são muito autênticos, expressam seus sentimentos com muita facilidade e quando não trabalhados, amam e odeiam muito facilmente. São extremistas; distorcem com facilidade os assuntos e por tudo isso seu emocional fica seriamente afetado.

Na comunicação vale citar o relato de Emmanuelle Laborit  em seu livro : O vôo da Gaivota (1994 p.19...), que a ausência de linguagem entre zero sete anos provocara seu isolamento. “Creio que nada havia em minha cabeça, nesse período. Futuro, passado, tudo estava em uma linha do espaço de tempo. Mamãe dizia ontem... e eu não entendia onde estava ontem, o que era ontem. Amanhã também. E não podia perguntar-lhe. Sentia-me impotente (...). Havia a luz do dia, a escuridão da noite, mais nada”. Até os sete anos não conseguia se comunicar. “Até os sete anos, nada de palavra, nenhuma frase em minha cabeça. Imagens somente (...). Como tudo acontecia antes? Não tinha língua. Como pude me construir? (...). Pensava seguramente. Mas em que? Em minha fúria de me comunicar”.

Quando Emmannuelle descobre que existe uma língua em que pode se comunicar e experimenta dar nome às pessoas e as coisas, descobre seu próprio nome. Antes falava de si na terceira pessoa “ela o escuta, ela não o escuta” o eu não existia.  “Eu era ela (...). Por causa da língua de sinais pôde dizer: Eu Emmanuelle (p.51) tendo assim uma identidade (...). Descobria o mundo que me cercava, e era eu que me encontrava no interior do mundo.”(p.51).

Laborit afirma que a língua de sinais é fundamental para que de fato o surdo consiga se comunicar, obter informação e compreender o que acontece ao seu redor.

J.Schuyler Long, Diretor da Lowa School for the Deaf, The sign language (1910) “A língua de sinais, nas mãos de seus mestres, é uma língua extraordinariamente bela e expressiva para a qual, na comunicação uns com os outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a mente dos surdos,  nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura. Para aqueles que não entendem, é impossível perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre a moral e a felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em perpétua escuridão. Tampouco são capazes de avaliar o poder que ela tem sobre os surdos. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face da terra e elas se encontrarem, serão usados sinais”.

Em relação à escrita, nada melhor do que o próprio surdo para descrever o grande desafio e esforço que se apresenta no ato de escrever. Carlos Skliar em seu livro “A surdez: um olhar sobre as diferenças” (1998:57), relata um fato narrado por L de 40 anos:
“É tão difícil escrever, para fazê-lo meu esforço tem de ser num clima de despender energias o suficiente demasiadas. Escrevo numa língua que não é a minha. Na escola fiz todo esforço para entender o significado das palavras usando o dicionário. São palavras soltas elas continuam soltas. Quando se trata de pô-las no papel, de escrever meus pensamentos, eles são marcados por um silêncio profundo. Eu preciso decodificar o meu pensamento visual com palavras em português que tem signos falados. Muito há que é difícil ser traduzido, pode ser uma síntese aproximada.
Tudo parece um silêncio quando se trata da escrita em português, uma tarefa difícil, dificílima.  Esse silêncio é a mudança? Sim é. Fazer frases em português não é mesmo que fazê-las em Libras. Eu penso em Libras, na hora de escrever em português eu não treinei o suficiente para juntar numa frase todas as palavras soltas. Agora no momento de escrever, eu escrevo diferente. Quando eu leio o que escrevo, parece que não tem uma coisa normal como a escrita ouvinte, falta uma coisa, não sei o quê.
Não sei o que escrevo são palavras minhas, elas são exteriores, não fazem parte de meu contexto. Parece não cair bem na frase, parece que a escrita do pensamento não dita o que quero dizer. Vezes sem contas parecem dizer-me coisas sem sentido.”

* Texto organizado e elaborado por Lílian Vânia A. S. Olah com o objetivo de passear de forma     simples, prática e básica pela cultura surda; para melhor compreender o surdo e a sua cultura.